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Mario Bava e Dario Argento: os grandes mestres do horror gótico e do “giallo”


Nas décadas de sessenta e setenta, o gênero do horror era apreciado por uma legião de fã e esculachado por grande parte da crítica cinematográfica. A explicação mais plausível para a recepção negativa de filmes de horror junto aos críticos de cinema é que tais produções, geralmente, de baixo orçamento “abusavam” da exploração de cenas de sexo e de violência extrema. Isso é verdade, embora a combinação desses dois elementos (sexo e violência, que remete a junção de Eros - amor com Thanatos- morte) tenha sido justamente o principal motivo para que esses filmes fizessem sucesso entre os mais jovens, principalmente aqueles na faixa dos seus vinte e tantos anos. O cinema de horror tem um aspecto transgressivo e, até mesmo pode ser muito sensual, principalmente quando explora criaturas como os vampiros, embora, isso também seja visto com certas reservas, uma vez que como gênero, o horror também tem a tendência de manifestar o que há de pior no ser humano.

No final da década de cinquenta, o cinema gótico de terror/horror faz sucesso em vários países da Europa, em parte devido aos filmes dessa vertente e baseado em clássicos da literatura, tais como Drácula e Frankenstein produzidos pela produtora inglesa Hammer. É na Itália que surge um diretor que deixaria uma significativa contribuição para este gênero: Mario Bava. Antes de ser diretor, Bava foi fotógrafo de cinema, e dos bons. Sua estreia na direção não poderia ter sido mais promissora: Black Sunday (1960), que no Brasil recebeu vários títulos, sendo o mais conhecido A Maldição do Demônio. Trata-se de uma obra-prima do horror gótico livremente inspirada em um conto do escritor e poeta russo Gogol, que influenciou cineastas do cinema fantástico, tais como Tim Burton que o escolheu como seu filme favorito e prestou-lhe tributo em A lenda do cavalheiro sem cabeça.

Black Sunday até hoje impressiona por seu visual belo e assustador ao mesmo tempo, criado a partir de uma fotografia expressionista, em preto e branco. Também chama a atenção nesta produção a presença marcante de Barbara Steele-, que depois faria filmes da Hammer e ficaria conhecida como “scream queen”-, em papel duplo. Steele é boa como mocinha, mas é melhor como a vilã, a bruxa-vampira Asa, que ressuscita dos mortos para se vingar de seus inimigos em uma cena impressionante. É inesquecível o momento em que ela aparece com o rosto meio decomposto, marcado pelos pregos da máscara de tortura que foi obrigada a usar e olha fixamente, na direção do espectador. A imagem Steele dentro de seu caixão olhando como se estivesse em êxtase sexual – e o olhar dela remete ao da Medusa é, sem dúvida, um dos grandes momentos da história do cinema de horror gótico.


Barbara Steele

Bava também dirigiu outro filme gótico O Chicote e o Corpo, com Christopher Lee.- o eterno e melhor Drácula do cinema-, que combina atmosfera sobrenatural, atmosfera de terror/mistério, sensualidade latente com toques de sadomasoquismo. O diretor apoiando-se na bela fotografia, - um dos pontos fortes de seus filmes-, para criar um impressionante visual, em que predomina a palheta de cores, formada por cores frias e quentes. Também em O Chicote e o Corpo se sobressai o ambiente sinistro e misterioso do antigo castelo medieval, formado por passagens secretas e a exploração ousada, e até mesmo erótica do tema do amor maldito, capaz de desafiar os limites entre a vida e a morte que remete a uma obra da literatura gótica: O Morro dos Ventos Uivantes.


O Chicote e o Corpo

Também assustador e fascinante como exercício de terror/horror gótico é o Ciclo do Pavor (Kill Baby, Kill) de 1966. Este filme, assim como Black Sunday tem uma ambientação feita a partir de cenários decadentes,- uma característica recorrente em grande parte das produções dirigidas por Bava. Em sua trama há uma eficiente exploração do motivo do fantasma, que aparece associado a um sinistro segredo de família. No entanto, em vez de uma criatura monstruosa, o ser sobrenatural é uma menina de feições angelicais, o que caracteriza um traço diferencial dentro do gênero gótico. Outro elemento bastante explorado na literatura gótica, mas poucas vezes no cinema, que nesse filme é enfatizado consiste no conflito entre o sobrenatural e o pensamento racional que é proposto pelo personagem principal, um médico legista Richard Eswai (Giacomo Rossi-Stuart) na tentativa dele de explicar eventos extraordinários por meio de explicações científicas, o que contribui para a instauração de uma contínua atmosfera de terror e mistério. Novamente, a fotografia é criada a partir de cores berrantes, tais como o azul e o vermelho, que reforçam em algumas cenas o aspecto onírico, que oscila entre o sonho e o pesadelo.


O Ciclo do Pavor

Além de filmes góticos, Bava, de acordo com a crítica especializada, também é considerado um dos criadores do giallo,-“amarelo”, nome que remete a publicação baratas de suspense/mistério cujas capas eram desta cor -, um estilo de cinema filiado ao terror/horror/ suspense. A garota que sabia demais,- uma clara referência a O homem que sabia demais, de Hithcock-, dirigido por Bava é considerado o marco inaugural do giallo. Neste filme pela primeira vez aparece de forma destacada os elementos que se tornam recorrentes nesse estilo de filme: o criminoso que sempre usa luvas pretas, cuja identidade é desconhecida e somente é revelada no final; a sequência de mortes violentas e misteriosas envolvendo a resolução de um segredo; a heroína que é envolvida em situações perigosas, mas mesmo assim decide investigar os crimes auxiliada por uma pessoa que parece não ser confiável.

Bava especializou-se no estilo giallo e realizou Um assassino e seis mulheres, um de seus filmes mais conhecidos e cultuados. Nesta produção destaca-se a ambientação que podemos definir como “gótica”,- elemento recorrente em grande parte das produções assinadas por Bava-, e também a transgressão de algumas regras do giallo, tais como revelar ao público quem executou as mortes, antes do final do filme-, além da ênfase nas cenas de violência, obedecendo uma forte tendência dentro do gênero. Além disso, no principal cenário, o ateliê de moda, onde se passa grande parte da trama, Bava capricha no aspecto visual, criando novamente um exuberante contraste de cores. O diretor também imprime ao filme uma forte carga de sensualidade valendo-se do elenco formado em sua maioria por belas mulheres que, gradativamente são mortas por uma motivação desconhecida,- o espectador mais atento não demora a saber qual é-, pelo misterioso assassino, cuja aparência assustadora é ressalta por uma máscara sem rosto. Dessa forma, Bava com muita habilidade cria uma intrigante, mas um pouco previsível trama de mistério/suspense, que faz lembrar em alguns momentos as novelas de mistério/suspense de Agatha Christie.

Um assassino e seis mulheres

Apesar de Bava ter contribuído de forma significativa para a formação do giallo, é outro diretor também italiano, que torna esse estilo de cinema bastante popular na Europa e nos Estados Unidos: Dario Argento.

Argento é um cineasta amplamente conhecido e admirado na Europa e, principalmente nos Estados Unidos por seus filmes do gênero terror/ horror gótico, embora, atualmente, seu nome esteja em baixa, devido a uma série de fracassos comerciais.

Seu filme de estreia como diretor foi O pássaro das plumas de cristal, de 1968, um autêntico giallo, embora, Argento, de forma semelhante a Bava desobedeça algumas regras estabelecidas. Este começa quando um escritor (Tony Mussante) que está andando pelas ruas de Roma, por acaso presencia uma tentativa de assassinato. Novamente, entra em cena o misterioso criminoso identificado por meio de suas luvas pretas que tenta matar esse homem e sua namorada. Argento não investe na violência explícita e prefere criar cenas carregadas de tensão e suspense, além de ressaltar o mistério em torno da identidade da pessoa que está perseguindo o casal, que somente em revelada no desfecho de forma surpreendente, de modo a obrigar o espectador a rever o filme,- um artifício empregado por Argento que é retomado em outras produções dirigidas por ele. O pássaro das plumas de cristal também destaca-se pelos travellings muito bem realizados,- que, posteriormente serão imitados por Brian De Palma em Vestida para Matar e Dublê de Corpo, filmes roteirizados pelo diretor norte-americano e que têm suas origens no giallo. Nesta produção dirigida por Argento, também merece destaque a trilha sonora composta por um certo Ennio Moricone, o mesmo compositor que ganhou o prêmio Oscar por seu primoroso trabalho em Cinema Paradiso.


O pássaro das plumas de cristal


Profondo Rosso, chamado no Brasil de Prelúdio para Matar, de 1976 é outro filme importante na filmografia de Argento. Sua trama começa com um misterioso assassinato que não é mostrado, somente sugerido e tem como música de fundo uma sinistra canção de ninar. Logo depois, há um avanço para o tempo presente, em que é inserido um elemento sobrenatural.

A médium, que participa de uma sessão espírita, consegue "sentir" algo maligno na plateia e, na sequência ela afirma que alguém vai matar de novo. Logo depois, em uma impressionante sequência, a sensitiva é assassinada, - novamente, por uma pessoa que usa luvas pretas-, com requintes de crueldade. Sua morte é presenciada à distância por um músico (David Hemmings, o protagonista de Blow up- Depois daquele beijo, de Antonioni), que não consegue entender muito bem o que se passou na cena do crime,- um aspecto amplamente explorado na obra cinematográfica de Argento. A partir daí ocorre uma série de mortes misteriosas, envolvendo um sinistro segredo de família. Em um determinado momento, o protagonista descobre em uma casa abandonada e sinistra, - um cenário que reforça a inserção do filme na esfera do “neogótico”, e, também elemento essencial na trama para solucionar a motivação do misterioso criminoso.

Assim como havia feito em O pássaro das plumas de cristal, Argento "brinca" com a perspectiva do espectador e também procura surpreendê-lo em seu desfecho, por meio de uma revelação inusitada, em que faz uso de mais um artifício que engenhosamente engana nosso olhar. Apesar de alguns pontos falhos no roteiro, Prelúdio para Matar continua sendo um dos seus melhores filmes de Argento.

Prelúdio para Matar


Na mesma década, Argento escreveu e dirigiu Suspiria, um filme de horror gótico, no qual é criada o que podemos chamar de “atmosfera onírica-sobrenatural” e com cenas de extrema violência que, na época atual divide opiniões, embora, seja considerado um cult movie. Suspiria faz parte de uma trilogia sobre bruxaria chamada "As mães das lágrimas" formada pelo eficiente A Mansão do Inferno e o sofrivél A Mãe das Lágrimas, para mim um dos piores de Argento, que depois deste entrou em processo de decadência. A trama, que é uma "colcha de retalhos" formada por enredos de outros filmes, tais como O bebê de Rosemary, de Roman Polanski-, começa quando a bailariana Suzi (Jéssica Harper, que também protagoniza O fantasma do Paraíso, um filme cultuado de Brian de Palma) chega a uma academia de dança-, que assemelhasse a um castelo medieval-, onde começa a acontecer uma série de mortes misteriosas, todas elas mostradas pelo diretor com uma alta carga de violência, rementendo assim ao estilo grand guignol, com grande quantidade de sangue e mutilações.

O grande atrativo desta produção são algumas imagens, algumas bastante assustadoras, capaz de provocar arrepios a exemplo do momento em que Suzi vê o contorno de uma sinistra figura se formando na superfície de uma cortina e em seguida escuta uma voz gutural. No entanto, Suspiria também tem sequencias discutíveis e de mau gosto. Uma delas, a mais conhecida é quando um cego (o próprio Argento) é atacado e morto por um cachorro que está possúido por uma força maligna ( uma cena semelhante pode ser encontrada em Terror nas Trevas dirigido por Lúcio Fulci que é considerado um mestro do horror italiano).

Embora, Suspiria deixe a deseja em alguns aspectos, no que se refere ao roteiro de Argento que parece não ter "nem pé nem cabeça", ou seja, não faz muito sentido, este continua sendo um dos filmes mais interessantes do diretor, principalmente, se levarmos em conta seu aspecto visual e alguns elementos oníricos que o torna uma espécie de conto de fadas "gótico" .


Suspiria


Apesar da produção cinematográfica irregular, cheia de altos e baixos, Bava e Argento conseguiram criar filmes que contribuíram artisticamente para a popularização do horror/terror gótico e, principalmente, do giallo. Cada um dentro de seu próprio estilo, em que chama a atenção as referências literárias, destacando-se dentre elas, a narrativa de mistério/suspense e o romance gótico, esses dois talentosos diretores conseguiram criar filmes que conseguem ser assustadores e belos ao mesmo tempo e capazes de exercer uma grande influência em nova geração de cineastas.


Obs.: A Maldição do Demônio foi lançado em dvd em cópia nova de excelente qualidade de som e imagem. O filme está no box “A arte de Mario Bava" da distribuidora Versátil;

O Chicote e o Corpo e O Ciclo do Pavor também foram lançados no Brasil pela Versátil. O primeiro está no box obras-primas do terror volume 01, enquanto o segundo está inserido no segundo volume desta coleção.

A garota que sabia demais também está no box “A arte de Mario Bava” e Um assassino e seis mulheres está inserido no box obras-primas do terror volume 03, da Versátil.

O pássaro das plumas de cristal e Prelúdio para Matar, infelizmente, estão fora de catálogo no Brasil há muito tempo. Mas, é bem provável que os dois filmes sejam lançados novamente no mercado também pela Versátil este ano ou no próximo.



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