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Resenha: A Máquina Diferencial


título: A Máquina Diferencial

autores: Bruce Sterling e William Gibson

tradução: Ludimila Hashimoto

número de páginas: 457

editora: Aleph

cotação: **** (muito bom)

Sinopse: Em uma versão alternativa da Inglaterra vitoriana, a ascensão do Partido Radical trouxe mudanças impressionantes. Pelas ruas da capital, cartolas e crinolinas misturam-se a cinétropos, gurneys e cabriolés. O trem metropolitano e o sistema de esgotos revolucionam a rede urbana. Tudo graças às conquistas científicas alcançadas pela Máquina: no auge da Revolução Industrial, os avanços promovidos pela tecnologia a vapor anunciam a era da informática. Com um século de antecedência. Mas Londres também é uma cidade em convulsão. O alvoroço causado pela turba desordeira assusta a população. Além disso, uma conspiração mais sofisticada – porém não menos perigosa – parece ameaçar a segurança e a estabilidade de todo o país.


Minha opinião: Este foi o primeiro livro que li inserido em um subgênero da Ficção Científica chamado steampunk. Para quem não sabe o steampunk tem algumas peculiaridades que o definem: todas as histórias são ambientadas em um tempo passado, mas bastante avançado em descobertas científicas e tecnológicas. Tendo como modelo a Era Vitoriana – período histórico, em que predominou o avanço tecnológico representado pelo surgimento das grandes máquinas industriais e também a vapor, daí a origem do nome “steam”: vapor. Dessa forma, o steampunk se caracteriza essencialmente por ser uma releitura futurística de uma época passada, em que as invenções provocam uma mudança drástica no cotidiano. Para mim é provável que esse subgênero tem suas origens nos chamados “romances científicos” escritos por Jules Verne, considerado um dos criadores da Ficção Científica, embora esse termo somente seria inventado em 1929! Vale lembrar que nas principais obras de Verne temos sempre a descrição de inventos tecnológicos extraordinários e vistos como “fantásticos”, a exemplo do Nautilus, o submarino hightech, de Vinte Mil Léguas Submarinas. Também acho que podemos estabelecer uma relação de proximidade entre o steampunk e os romances científicos de Verne. É provável que A Máquina Diferencial tem seu surgimento a partir de elementos que podem ser encontrados em textos mais conhecidos do autor francês-, principalmente no que se refere à discussão dos benéficos e malefícios que esses avanços tecnológicos trazem a humanidade.

Após esta pequena explanação sobre steampunk, vamos A Máquina Diferencial. Mesmo depois de ter concluído a leitura, eu não estou bem certo se consegui entender plenamente a trama do romance. Fiquei com a impressão que o elemento central dela, – o conteúdo misterioso de uma certa caixa-, é o que é chamado pelo grande cineasta Alfred Hitchcock de “Mcguffin”, ou seja, é somente um artifício empregado pelos autores para prender a atenção do leitor. Assim, o grande atrativo de A Máquina Diferencial é sua ambientação. A forma detalhada como Bruce Sterling e William Gibson descrevem o modo de vida dos habitantes de Londres totalmente dominado por diferentes uso da tecnologia é sensacional. É impressionante a descrição desta Era Vitoriana “futurística” muito diferente daquela que conhecemos – neste aspecto inovador o livro escrito por Bruce Starling e William Gibson, me lembrou O homem do castelo alto, um clássico da FC de Phillip K. Dick, ambientado em uma realidade alternativa.

Em A Máquina Diferencial é enfatizada a ideia de que grande parte da população londrina depende de algum tipo de aparelho eletrônico para sobreviver. Em algumas profissões, homens e máquinas devem ter uma interação perfeita e um depende do outro para realizarem tarefas domésticas e de trabalho. Além disso, Starling e Gibson-, que escreveu também Neuromancer, marco inaugural de outro subgênero filiado ao FC o ciberpunk-, também demonstram grande criatividade e inventividade na descrição de tais inventos tecnológicos, destacando-se dentre eles, a cinetropia que consiste em um percursor do cinematógrafo, – somente seria inventado no final desse período-, bem mais avançado, uma vez que é capaz de criar uma projeção de imagens holográficas bastante “realistas”, os chamados gurneys – veículos movidos à vapor, que conseguem se locomover em alta velocidade e a Máquina Diferencial que dá título a obra que é um protótipo do viria ser o computador. No romance, essa engenhoca torna-se algo tão poderoso e também muito perigoso a ponto de ser usada como um instrumento de poder, capaz de causar revoluções e drásticas mudanças no cenário político mundial. No entanto, o potencial ameaçador da Máquina Diferencial poderia ser melhor explorado na obra. Tive a impressão que os autores preferiram deixar muitos aspectos dessa extraordinária invenção tecnológica de fora da narrrativa, talvez visando deixá-la mais assustadora aos olhos dos leitores.


A verdadeira Máquina Diferencial


Outro aspecto instigante de A Máquina Diferencial é proposição em seu enredo da interação de personagens ficcionais – alguns deles têm seu surgimento em obras escritas no século XIX e personalidades históricas. Dentre as pessoas reais se sobressai Lady Ada Byron considerada uma das primeiras programadoras da história da informática e com a colaboração do cientista Charles Babbage, – que também aparece, de forma periférica na trama-, ela inventou a verdadeira “Máquina Diferencial”, um protótipo do computador, que obtinha informações importantes, por meio de cartões perfurados. Ada era bonita e considerada uma mulher avançada para seu tempo. Além disso, ela era vista como muito inteligente entre os homens vitorianos, o que consistia mais em um defeito do que uma qualidade nesse período. Apesar de Ada Byron ser uma personagem fascinante e importante acho que ela é pouco explorada. Talvez, os autores preferiram deixá-la nas sombras, visando criar sobre sua excêntrica figura uma aura de mistério, que permanece intacta mesmo após o desfecho do romance.


Ada Byron uma das primeiras programadoras


A trama de A Máquina Diferencial é complicada e parece um “samba do criolo doido” difícil de ser compreendida em sua totalidade. Inicialmente, sua estrutura narrativa provoca estranheza no leitor. O narrador é onisciente e relata acontecimentos que se encaixam de modo a formar uma espécie de quebra-cabeça. Ou seja, cada capítulo do romance tem um protagonista diferente e um personagem que é secundário em um torna-se o principal no outro. O primeiro é focado em Sybil Gerard, uma jovem prostituta de passado trágico, que se vê envolvida por acaso, no que parece ser uma conspiração política. Outro seguimento é protagonizado por Edward Mallory, um paleontólogo, seguidor das teorias evolucionistas de Charles Darwin, que descobre que existe algo de muito estranho, assustador e até mesmo “podre” no turbulento cenário político inglês – dominado pelos Rads – corruptela de “radicais”, que tem como líder Lord Byron, pai de Ada. Foi uma boa ideia dos autores a de tornar Byron um personagem importante na história, de modo ressaltar a importância no romance do tema da Ciência ateísta, -capaz de dar um infinito poder ao homem tornando-o uma espécie de Deus-, que é recorrente em suas obras poéticas de Byron-, e também enfatiza a mudança de mentalidade que ocorreu a época. Por fim, da metade até próximo ao desfecho, o foco recai sobre Laurence Oliphant, um misto de jornalista e espião que existiu na realidade e também se vê envolvido em situações misteriosas e “conspiratórias”, que colocam sua vida em perigo.


Lord Byron, pai de Ada e um personagem importante do livro


O romance também tem defeitos que atrapalham um pouco a leitura. O que mais me desagradou é uma longa cena de sexo no início do quarto capítulo intitulado “Sete Pragas” envolvendo Malory – o personagem que mais gostei e uma prostituta. Acho que essa sequência poderia ser menos detalhada – muitos autores tarimbados também deixaram a desejar em suas descrições de “acrobacias eróticas”, digamos assim, e o mesmo acontece com Sterling ou Gibson. Levando-se em conta isso, deve-se dar um desconto a esse trecho não deve ser levado a sério, embora, ele continha informações que revelam o que aconteceu com um dos protagonistas. Também acho que alguns eventos importantes da trama não são muito bem explicados pelos autores. Talvez, tais acontecimentos, envolvendo algumas mortes misteriosas, sejam melhor compreendidos se o leitor tiver um conhecimento prévio sobre o contexto histórico, social e, acima de tudo, científico da Inglaterra e Estados Unidos durante o século XIX. No final do romance, fiquei com a impressão que muita coisa ficou em aberto, talvez, de maneira proposital, principalmente, sobre o funcionamento e a utilização da Máquina Diferencial. Por outro lado, achei a cena final do livro muito bem elaborada. A verdadeira identidade do narrador onisciente foi uma “sacada” genial dos autores, que enriqueceu a leitura e também nos faz questionar se somos capazes de definir os limites que separam o humano e o artificial. Será que existe a possiblidade que no futuro a humanidade seja completamente dominada pelas máquinas? É um questionamento que me parece essencial para compreender este romance.

Com passagens mais lentas, em que pululam explicações sobre conflitos armados, descobertas tecnológicas e arqueológicas, além de disputas acadêmicas entre cientistas e outras mais empolgantes, em que predominam o mistério, as cenas de ação, o suspense e pinceladas de terror “gótico-vitoriano”, A Máquina Diferencial é um clássico do steampunk, um subgênero que sinaliza novas possiblidades de exploração do romance como gênero literário e também nos faz questionar e refletir sobre o passado e os rumos do futuro. Recomendo o livro para os fãs de Ficção Científica e todos aqueles que gostam de um tipo de literatura que enfoca os aspectos positivos e negativos dos avanços da Ciência.


Obs.: Esta edição lançada pela Aleph é comemorativa dos vintes anos de publicação da obra. Ela tem capa preta com letras douradas, com competente tradução e vem com dois glossários, que ajudam o leitor a se situar na intricada narrativa. Um deles tem termos inventados ou remete a eventos históricos da Inglaterra e Estados Unidos e outro é sobre personalidades históricas que aparecem em sua trama, com um pequeno resumo biográfico. Também há um posfácio escrito pelos autores, em que eles cometam alguns aspectos do romance que ficam obscuros e suscitam dúvidas nos leitores e um pequeno mapa mundi da época.


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